CAPETALISMO LEVADO A SÉRIO

06/10/2013 19:44

CAPETALISMO LEVADO A SÉRIO

O trocadilho é evidente entre capitalismo, o sistema no qual os objetos determinam os sujeitos, e capetalismo, que seria uma organização social determinada pela perversão dos valores saudáveis, enfim, o regime do capeta ou diabo. E as coincidências entre os dois termos não param por aí.

Desde que se tem registro da História se tem notícia de perversão e dominações. Contudo, o capitalismo, quando todas as decisões sociais importantes passam a ser pautadas pela lógica da acumulação do capital, somente teve início no fim da Idade Média, juntamente com o advento do Estado moderno que passou a centralizar e legitimar todas as decisões coletivas através de suas instituições típicas, tais como: polícia, exército permanente, parlamento legislativo, magistratura de carreira, hospitais, hospícios, presídios e escolas. A intepretação mais comum, de viés marxista ou do materialismo, é que o capitalismo teria gerado o Estado moderno, personificado nas monarquias absolutistas. Eu me filio à corrente de historiadores que entendem que foi o contrário: foi o Estado moderno, com as suas necessidades absolutas de expansão e domínio, que gerou o capitalismo a partir de suas necessidades de guerra, ou seja, da existência de uma indústria militar que atendesse ao seu exército e armada, forçando assim, através de suas instituições autoritárias a criação arbitrária dos mercados de trabalho, de crédito e imobiliário que provocou a alienação dos fatores da produção: os recursos humanos, financeiros e naturais, o que é, em essência, outra definição para o capitalismo.

O fato é que o surgimento do capitalismo coincidiu no tempo e no espaço com o costume das pessoas usarem assinaturas, reivindicando assim para si, individualmente obras que não raro eram coletivas. Enfim, a autoria da maioria das obras de arte da antiguidade é desconhecida justamente porque não havia o costume de assinalar a autoria. A firma ou assinatura é algo que passa a ser usual no século XV, antes disso a identificação das pessoas nos documentos se dava por sinetes nos lacres, brasões ou outras marcas, mas não por assinaturas feitas de próprio punho. Outra coincidência é a firma como uma assinatura ser homônima da firma entendida como ação empresarial (colocar outras pessoas para trabalhar em benefício privado mediante o pagamento de salário).

Entretanto, a assinatura não surgiu do nada. Ela tem antecedentes históricos na bruxaria, mais precisamente na prática invocatória de demônios, sendo cada capeta conhecido pelo nome, as suas peculiaridades e a sua assinatura individual. Assim para se chamar um diabo havia todo um ritual que englobava uma parte gráfica, de desenhar no chão um círculo de proteção para o invocador, dentro do qual, para ter sucesso na invocação, deveria ser desenhada a correta assinatura do demônio invocado. E estabelecido o contato efetuavam-se as barganhas de favores entre ambas as partes. Porque será que o capitalismo foi buscar na demonologia a sua firma? Justamente a sua marca de valor mais importante e caracterizadora do empreendorismo individual que busca precipuamente barganhar com o intuito de logro (trapacear quando possível) e colocar outras pessoas para trabalhar em seu proveito mediante salário (explorar o quanto possível).

E as coincidências não param porque as fontes sutis ou transcendentes, que lançam raízes para além do mundo físico (aí teríamos que ter conhecimento da quântica para compreender) entre capital e capeta, também coincidem ou estão muito próximas. A identidade com o radical CABEÇA não é mera coincidência. Tem a ver com a perversão do EGO, ou seja, a confusão de uma parte (a mente) com a totalidade (organismo). Enfim, o ego ou cabeça pensante não é intrinsecamente mau, mas é pervertido quando desconectado da totalidade na qual ele deveria estar inserido como servidor e não como senhor. Da incapacidade dos organismos sociais ou individuais desligarem e religarem estes instrumentos como o capital e a mente pensante (o capeta) é que surge a perversão do capitalismo e / ou do capetalismo.

E a antiga firma ou ação empresarial pessoal tradicional, seja ela a firma individual ou a firma coletiva como uma sociedade de pessoas, hoje praticamente extintas, era coisa muito menos nociva do que as atuais sociedades de capitais que dominam e pervertem os mercados, tais como as sociedades de cotas limitadas de capital (LTDA) e, sobremaneira, as sociedades anônimas de capitais (SA). Para compreensão disso recomendo o documentário THE CORPORATION. Na ação empresarial tradicional a exploração e a trapaça se davam em relações pessoais mediante firmas reconhecidas. Hoje as sociedades de capitais despersonalizam tudo trazendo assim a marca indelével do diabo que é a destruição da personalidade através da exaltação do ego (egoísmo), tal como narrado na bíblia acerca da queda de Lúcifer.

O problema levantado por THE CORPORATION é que desde o fim do século XIX a sociedade esqueceu que as sociedades de capitais (as pessoas jurídicas com fins lucrativos) devem restar adstritas ao cumprimento da RAZÃO SOCIAL que lhe é reconhecida pelo poder público, ou seja, da sua razão de ser, pela qual as coletividades (des)organizadas (governos) autorizaram essas corporações a atuarem no mercado (lucrar sob a máscara de uma personalidade fictícia ou jurídica). Creio que a primeira pessoa jurídica brasileira (sociedade de capitais) teria sido os Correios, e a segunda, salvo engano, seria o primeiro Banco do Brasil que faliu em 1829.

Para o meu mestre Georges Gurvitch a empresa privada em si não é uma instituição intrinsecamente má, o problema é que nas asas do individualismo exacerbado os interesses privados tomaram de assalto o Estado (capitalismo) de uma forma despersonalizada ou impessoal (capetalismo). Toda essa usurpação foi possível porque se esquecendo do Direito social que promana diretamente das gentes sem a intermediação estatal, o Direito se confundiu ao estritamente individualista, formalista e estatista. Portanto, para Gurvitch haveria um justo espaço para a empresa privada (direito comercial) desde que o dono dos capitais investidos não se usurpasse como o senhor absoluto do empreendimento a despeito das outras pessoas que necessariamente compõem o empreendimento iniciado pelo seu capital, justamente porque o capital não se confunde com a totalidade da empresa. O capital ou trabalho consolidado (amortizado) até pode ser individual, mas toda empresa é necessariamente obra coletiva e enquanto personalidade complexa coletiva deveria ser reconhecida.

Esse justo espaço do empreendimento privado seria alcançado, nos dizeres de Proudhon, se o capitalista se abstraísse de alienar trabalho, se ele não assalariasse ninguém. Assim, a despeito da existência de comunas e indústrias autogeridas, para o mestre do mutualismo isso se daria no setor primário com a agricultura familiar, no setor industrial com a cogestão (lucro dividido entre capital e trabalho) e no setor terciário dos serviços com o associativismo entre profissionais responsabilizados pelos produtos intermediados ou serviços prestados, tal como era na origem a Liga Hanseática, uma guilda de comerciantes. Impedir o comerciante de ter empregados seria o fim do império das marcas de propriedade intelectual e a volta ao comércio de produtos coletivamente produzidos.

Apesar de reconhecer no vínculo de trabalho subordinado um fator de degradação do recurso humano, entendo contraproducente a proibição a priori do emprego assalariado, pois, como dito no célebre DISCURSO DA SERVIDÃO VOLUNTÁRIA sempre houve e talvez haverá quem prefira omitir-se de suas responsabilidades e riscos. Ademais, somente quem não tem olhos para ver nem ouvidos para escutar não percebeu ainda que o emprego está pela hora da morte. Vivemos hoje um momento análogo há duzentos anos, quando começou a ficar antieconômico explorar mão de obra escrava. Agora dia a dia o patrão perde vantagens em empregar gente.

Na sua TEORIA DO IMPOSTO discorre Proudhon como o imposto alimenta o Estado que protege o capitalismo, legitimando toda trapaça e exploração impetrada pela burguesia desde que realizada sob os auspícios da lei e ordem. Entretanto, o imposto, diz Prodhon, acabará por asfixiar a própria burguesia. Não por causa de impostos diretos que incidam mais sobre quem tem mais, mas porque a máquina pública parasitária nunca cessará de hipertrofiar-se, acarretando, assim, num peso insuportável para toda a sociedade, peso este não só fiscal, mas sobremaneira burocrático hoje consubstanciado na ditadura do politicamente correto que engessa a sociedade.

O intelectual espanhol, autodidata como Proudhon, FÉLIX RODRIGO MORA observa que o capitalismo não possui nenhuma lei inexorável que determine a sua autodestruição. Contudo, eu observo que o capitalismo supera as suas contradições através da sua pioria, potencializando sempre mais a sua perversidade (capetalismo). Mora destaca que o capitalismo vai sobrevivendo piorando, apesar de toda propaganda em contrário do politicamente correto, através de processos de infra-humanização, da destruição dos sujeitos, e, até mesmo, com planos secretos de genocídio já em franca execução. Para Mora o momento atual se assemelha ao apogeu do Império romano, quando a sua civilização sucumbiu sob o peso da burocracia estatal (carga tributária) e os povos civilizados, conformados com o modelo de produção escravagista, teriam abdicado do protagonismo histórico, o que conduziu ao caos.   

Firma a presente:

Ivan Kurtz

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